terça-feira, 13 de julho de 2010

Relendo e renascendo

Tem gente que acha estranho eu estar relendo uma quadrilogia. Você já conhece a história, oras! Mas sabe? O incrível de reler qualquer coisa - meus posts, inclusive - é que, a cada leitura, o leitor é outro e, consequentemente, a obra também é outra.
O quarto livro d'As brumas de Avalon está aqui do meu lado. Eu simplesmente devorei esse livro na madrugada passada. Sabe quando o livro te dá aquele tapa na cara? Então.
Posso ser preso por causa disso, mas vou transcrever a parte nada curta que me fez ficar completamente insone. O real motivo de eu fazer isso, vocês vão saber.Eu sei que vocês não vão entender nada, porque talvez não conheçam a história e porque esse seja parte do capítulo 8 do quarto livro. Quem sabe até fiquem curiosos para ler?
Eu poderia explicar o contexto no livro, mas vai perder toda a graça. Leiam o livro ou não assistam ao filme, porque eu duvido muito que um filme de 3h reproduza mais de 800 páginas da quadrilogia, muito menos reproduzir bem.
Não, não vi o filme.

... Creio que o que mais me magoou foi falhar a Avalon, foi Ela não ter estendido sua mão para ajudar-me e realizar o seu desejo. A força de Artur, dos padres e do traidor Kevin fora maior do que a magia de Avalon, e não restara ninguém.
Não restara ninguém. Ninguém. Eu pranteei Acolon sem parar, e a criança cuja vida mal começara antes de terminar, atirada fora com os restos. Chorei, também, por Artur, perdido para mim agora, e meu ininigo, e, inacreditavelmente, até por Uriens, e pelos escombros da minha vida em Gales, a única paz que eu jamais conhecera.
Eu matara, afastara de mim ou levara à morte todos aqueles a quem amara no mundo. Igraine fora-se e Viviane morrera, assassinada, jazia entre os padres de seu deus de morte e condenação. Acolon fora-se, o sacerdote que eu consagrara para lutar a última batalha contra os padres cristãos. Artur era meu inimigo; Lancelote aprendera a temer-me e a odiar-me, e eu não era inocente por causa deste ódio. Guinevere temia-me e desprezava-me, até Elaine fora-se agora... e Uwaine, que fora como meu próprio filho, também me odiava. Não havia ninguém que se importasse se eu morresse ou vivesse; por isso, também eu não me importava...
As últimas folhas caíram, e as assustadoras tempestades de inverno começavam a abater-se sobre Tintagel quando, um dia, uma de minhas damas veio até mim dizendo que um homem me procurava.
(...)
Agora, contra a minha vontade, senti-me agitar pela curiosidade. O Merlim? Mas Kevin era homem de Artur, certamente; ele não viria ter comigo assim. Não se aliara ele a Artur e aos cristãos, o traidor de Avalon?(...)
- Da última vez que nos falamos, você disse que os dias de Avalon estavam terminados. Por que, então, deveria haver mais alguém para sentar-se no lugar de Viviane, exceto uma garota que mal se encaixa para tão alto cargo, esperando o dia em que Avalon desapareça completamente nas brumas? Desde que você renegou Avalon pelo estandarte de Artur, não fará sua tarefa mais fácil se ninguém reinar em Avalon, exceto uma velha profetisa e uma sacerdotisa sem poderes?
- (...) ocorreu-me que suas mãos ainda são necessárias lá. Ainda que Avalon esteja fadada a perder-se nas brumas, recusar-se-á a perder-se com ela? Jamais a julguei covarde, Morgana. Você morrerá aqui, Morgana, de dor e de exílio...
- Para isso vim para cá... Tudo o que tenho tentado fazer está arruinado, falhei, falhei... devia ser seu triunfo, Merlim, que Artur tenha vencido.
Ele balançou a cabeça:
- Ah, não, minha cara, nenhum triunfo. Faço o que os deuses me deram a fazer, nada mais, e você faz o mesmo. E, de fato, se sua sina deve ser ver o fim do mundo que nós conhecemos, então, meu amor, deixe que esta sina nos encontre no lugar que nos foi apontado, servindo o que nosso deus nos deu para servir... É minha tarefa chamá-la de volta a Avalon, Morgana, não sei por quê! (...) seu lugar é em Avalon, e o meu é onde os deuses decretarem. E em Avalon, você poderá curar-se.
(...)
- Deixe-me em paz, harpista Kevin. Vim aqui para morrer. Deixe-me agora.
E então, no silêncio, ouvi o som suave de sua harpa. Kevin tocava, e depois cantou.
(...) Ele cantou a maneira como o iniciado Orfeu perdera aquela a quem amava, e descera aos Infernos e falara com os Senhores da Morte, e implorara por ela, e lhe foi dada a permissão para ir às terras escuras e trazê-la de volta, e então ele a encontrara nos Planaltos Imortais...
(...)
- Volte, volte, a vida chama com todos os seus prazeres e dores. Sou eu que a chamo, Morgana de Avalon... sacerdotisa da Mãe... volte à vida, volte para mim... você que a jurou, a vida espera além da escuridão da morte...
- Estou velha, velha; eu pertenço à morte, não à vida...
- ... Ela será jovem ou velha como lhe aprover... - e diante dos meus olhos minha própria face espelhada estava de novo jovem e bela como a da donzela que chamara o jovem gamo para caçar o veado que corria... sim, e eu fora velha quando Acolon viera ter comigo, todavia lançara um forte desafio para seu filho.... e ainda que velha e estéril, todavia a vida pulsava dentro de mim como na eterna vida da terra e da Senhora... e o Deus estava diante de mim, o Eterno que me convocava para a vida... e eu dei um passo, e outro, e então eu subia, subia, vinda da escuridão, seguindo as notas distantes da harpa que cantava para mim as verdes colinas de Avalon, as águas da vida... e logo descobrir que estava de pé, estendendo minhas mãos para Kevin... e ele depôs a harpa gentilmente, me segurou, e quase desmaiei em seus braços. E por um momento as brilhantes mãos de Deus queimaram-me... e depois era apenas a voz doce, musical e meio zombeteira de Kevin que me dizia:
- Não posso segurá-la, Morgana, como bem sabe.
(...)
E, pela primeira vez, em muitos dias, dormi. E, dois dias mais tarde, cavalguei para Avalon.


Obrigado por me trazer de volta à Avalon, Isabela*.

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